17 de agosto de 2011

Para sempre amor de golfinho


"quanto mais reinventas as sombras
da língua, as fugas,
mais outro será o sol
do desafio
quanto mais perto do absurdo
mais real:
vestígios da lama no teu
rosto. Mãos de Irreal."
trecho do poema antropofagia delirante de virgílio de lemos

Assim, por meios não mais importantes que o fim, caí de alguma maneira nesse confuso balaio expressionista-antropofágico que é Connan Mockasin


A banda neozelandeza que existe desde 2004 tem como vocalista Connan Hosford, cuja voz lembra muito a do Billy Corgan do Smashing Pumpkins. Outras referências perceptíves na banda são a psicodelia musical tanto de Pink Floyd quanto do Animal Collective.


E quando digo ser expressionista muitas das imagens da banda, a comparação não é em vão . Tudo é muito carregado, muito forte e muito evidente. A maquiagem, roupas, efeitos sonoros e edições toscas assumem e evidenciam suas existências como complementos para a criação na banda. Porém agora o complemento parece ameaçar o protagonismo daquilo que deveria ser complementado.
O visual artesanal-kitsch dos videoclipes, e a mistura de referências estranhas em contextos ainda menos usuais é como um eco óptico e amalucado de uma sonoridade que aproveita-se dos mais diversos movimentos, influências e instrumentos da história da música.


A construção imagética lembra muito a de bandas como Fever Ray ou a Iamamiwhoami onde uma estética do poorly-made e do visceral sequestram nossos olhares da avalanche digitally-enhanced, que com 0s e 1s afina qualquer voz, emagreçe qualquer corpo e aperfeiçoa qualquer rosto. De encontro com a maior parte da produção atual, quando distanciam-se de uma perfeição de acabamento e unidade de sentido, tais bandas parecem atestar a plena ruína destes pilares há muito consagrados.
É como se, de alguma maneira, sugerissem que nem tudo precisa ser compreensível  e que nem toda falha precisa ser consertada.


"oh when I retire I hope the snat suit fits me well,
 I want to be a hybrid with lovely memories"
Please Turn Me In To A Snat - Connan Mockasin

PS.: snake +  rat = snat

Made in China

Louis Vuitton gigante em frente à loja da grife em Shangai
Assim como qualquer nicho econômico, a criação e consumo de moda na China vem chamado atenção tanto de marcas ocidentais quanto de investidores, que encontram no país dos fogos de artifício um mercado em crescente expansão e com potencial de consumo gigantesco.


Entretanto, ao passo que este consumo de luxo aumenta progressivamente,  a produção desses bens pelo próprio país sofre uma espécie de auto-boicote pelo povo chinês,  que pode ser percebido de maneira bem delineada no consumo de marcas ocidentais como Louis Vuitton, Gucci, Chanel, Dior, Balenciaga, Prada, Calvin Klein e afins. O caso é que, por ter se transformado numa espécie de "país da mão de obra" a China produz quase tudo que é comercializado mundo afora, e dessa maneira, comprar um carro produzido no país mostra-se como algo de menos prestígio do que comprar uma mercedes-benz norte-americana, por exemplo.
Agyness Deyn na capa da Vogue China de nov/2008
Ainda assim, mesmo que o mercado local mostre-se "hostil" para a  criação e venda, muitos designers chineses despontam não somente no país como internacionalmente. E, mais interessante ainda, é a maneira com que estes conseguem desvenciliar-se do clichê etnico/exótico consumido no ocidente sem perder características que remetem tanto aos costumes, tradições e história , quanto a atual situação socio-econômica do país . 
Dentre os muitos expoentes da moda chinesa, gosto particularmente de duas designers que, por mais divergentes que sejam na criação de suas peças parecem de certa maneira compartilhar alguns aspectos condizentes à produção de moda: Ma Ke e Guo Pei


Ma Ke, com sua marca Exception de Mixmind, propõe um design de moda mais orgânico, de construção mais sutil e menos acelerada. O processo criativo de sua coleção de 2007 foi documentado e utilizado no filme Useless(無用/Wuyong) que contrapõe sua criação com as de marcas,tanto ocidentais quanto orientais, onde a frequencia de mudança é exageradamente alta.

Ma Ke nos bastidores do desfile-instalação em 2008
A estilista propõe um pensamento de moda que desacelere um pouco a lógica capitalista que parece ter hoje em seu país a versão mais kitsch-hiperbólica de toda  a história.  Refletindo sobre essa incessante descartabilidade das coisas, é na contramão dessa rápida temporalidade que Ma  Ke trabalha quando, por exemplo, enterra suas roupas por um longo período antes de expô-las. 



Ao estampar o tempo em suas criações, seja enterrando-as, ou utilizando-se de processos que demandam uma maior quantidade de tempo, Ma Ke coloca em questão algo pertinente não somente ao mercado de moda chinês como também ao mercado ocidental com suas frenéticas coleções e a necessidade (questionável) de sempre apresentar algo novo. Indo bem além dos habituais fashion shows, tanto em execução, pensamento e ideais, as coleções da estilista tiveram exibições no Victoria & Albert em Londres e no Museu Nacional de Arte da China



E ao passo que Ma Ke  procura uma temporalidade mais lenta, sua conterrânea Guo Pei parece embalar nesse crescente desenvolvimento da China e tomar para si a responsabilidade de representá-lo vestivelmente. É perceptível a semelhança das criações da chinesa com as feitas pelas Maisons de Couture francesas, bem como o próprio NYTimes observou no ano passado quando a estilista ganhou notoriedade ao ter sua criação utilizada por Li Bingbing no Festival de Cinema de Veneza.

A atriz Li bingbing
Guo Pei no backstage do remake chinês da Opera italiana 'Tosca' em 2009

Trabalhando de maneira suntuosa com materiais dos mais caros, Guo Pei desenha silhuetas e propõe estruturas que, mesmo tendo referências do imaginário chinês, são mais do que mera produção figurativa. Além disso, a estilista tem uma forte influência de óperas, meio pelo qual surgiu seu interesse em roupas. Não é a toa que suas criações e formas incomuns tenham chamado atenção do Formichetti(stylist da Gaga).
 

Contudo, é perceptível na designer algo que parece um 'não levar tão a sério' estatutos que aqui no ocidente são quase como leis. Tanto que, mesmo o fato de ter suas roupas mostradas à mother monster, ou a recusa desta de usá-las nos shows(alguns vestidos pesavam mais de 18 quilos!) parecem não ter tido muita importância para estilista.

E por mais que Guo Pei já possua 'compradoras fiéis', muitas de suas criações, assim como as de Ma Ke tocam na ferida comercial da moda de maneira exemplar quando se propõem a criar peças que, mais do que lucro, procuram no design uma força produtiva a ser pensada e experimentada.

Dessa maneira, tão paradoxalmente quanto a Gefühlsträger que eu já falei nesse post, as duas estilistas fazem, roupas que transgridem a função original de cobrir o corpo e atestam ,cada uma  da sua maneira, uma existência quase escultórica.